Escrever ou falar sobre Campina
Grande sempre foi pra mim muito difícil. Minha relação com Campina Grande é
meio que uma relação de amor não correspondido, meio como um cara que se apaixona
por uma mulher comprometida que ainda por cima o odeia sem motivo algum aparente.
Campina Grande sempre fechou as
portas do mercado de trabalho pra mim, muito antes de eu sonhar entrar nos
quadros do Poder Judiciário norte-rio-grandense, quando eu ainda advogava,
conseguir os trocados pra pagar as contas no fim do mês era o maior sufoco, não
tanto por uma eventual capacidade ou incapacidade minha, mas pela grande e
alarmante quantidade de profissionais na minha área que lá atuavam. Campina
estava apinhada de gente formada sem que o “mercado” os absorvesse. Mas mesmo
assim eu a amava...
Quando eu era criança, quantas e
quantas vezes eu apanhava dos meus primos pernambucanos, bem maiores, quando
eles falavam mal do atraso campinense em relação ao Recife grande e
desenvolvido deles e eu inventava de defender minha cidade natal...
Na faculdade, minha turma foi
tomada por uma onda de piauienses que escapavam do vestibular mais difícil da
UFPI e vinham para o mais “fácil” da
UEPB, tanto que na minha sala, paraibano era minoria. Quantas e quantas vezes
eu não ouvia aqueles piauienses falarem com aquele horrendo, afetado e
afrescalhado sotaque típico das bandas de Teresina e Parnaíba comentários
pejorativos e depreciativos, do tipo “essa terra aqui é uma m...”, eu ficava
calado, me remoendo pra não dar uma resposta desaforada, mas em nome da boa
convivência com os colegas e do cosmopolitismo brejeiro, eu silenciava...me
remoendo por dentro, mas silenciava (...fazer o que?).
Todo mundo que crescer e
prosperar na terra em que nasce, comigo não seria diferente, mas a Rainha da
Borborema não me correspondeu.
Saí de Campina Grande meio como
Erich Fromm escapando da Alemanha Nazista, e fui recebido pelo RN e por Currais
Novos quase com a mesma receptividade relutante com que os E.U.A. receberam
Erich Fromm.
Mas não dá pra me desvencilhar
das memórias que carrego. Dos passeios ao redor do Açude Velho, dos primeiros
namoros na Praça Clementino Procópio, dos primeiros porres etílicos no antigo
Bar da Baiana, nas missas no Convento das Clarissas (quando eu ainda era ‘católico’).
A verdade é que o ar em Campina Grande é pesado, denso, por vezes é possível
até cortar com uma faca e consequentemente suas lembranças também são
igualmente densas e pesadas, capazes de aumentar nosso peso em milhares e
milhares de toneladas. Afinal de contas foi lá que apendi a ser gente, e se
hoje sou meio torto na vida, a culpa é de Campina Grande.
Hoje Campina está diferente, não
é mais a mesma cidade que deixei. Está faltando algo que ainda não consigo
definir. Mais pobre? Talvez. Mais poluída? Pode ser. Sem história, perspectiva,
energia, vilipendiada, injusta, cruel, arrogante, vadia? Imprópria, morta,
viva, urbana, matuta, cosmopolita, provinciana, violenta, bruta, clama, serena?
Caatinga, brejo, zona da mata? Europa, Portugal, África, Angola ou Moçambique,
as duas? Tudo ou absolutamente nada? Com certeza!
A eterna cidade que é e que nunca
foi. Pelo menos pra mim, só se for numa outra vida.