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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O preço da Ousadia

Recentemente a Rede Globo de Televisão exibiu uma mini-série baseada na vida da cantora Maysa Monjardim Matarazzo, popularmente conhecida somente por Maysa, e fiquei impressionado com a quantidade de gente que chegava e dizia, “quem é essa cantora?” ou “nunca ouvi falar dela”. Não que eu ache que seja obrigação das novas gerações de conhecê-la, muito pelo contrário, isto só mostra a efemeridade do sucesso, pois uma pessoa que era mais que conhecida e era uma das maiores recordistas de venda de disco nas décadas de 1960 e 1970, caiu quase que completamente no esquecimento.
A série, muito bem escrita por Manuel Carlos, mostra Maysa com uma personalidade dúbia, uma mulher pernóstica, arrogante e até mesmo um tanto alienada contrastando com a musicista fantástica, talentosa e brilhante compositora e a cantora de voz educada e potente. Contudo, independentemente disto, Maysa era uma mulher a frente do seu tempo, vanguardista, contestadora, com coragem, por exemplo, para dizer um palavrão em cadeia nacional de TV, numa época em que as mulheres em geral mal tinham seus direitos devidamente reconhecidos.
Outro ponto exposto nesta telebiografia de Maysa é o seu lado adicto, fumante e bebedora compulsiva, quase uma alcoólatra, não dispensava o uísque nem mesmo durante suas apresentações ou recebendo um prêmio pela sua carreira.
Isto me faz lembrar outra grande cantora, igualmente contestadora e vanguardista, e assim como Maysa, também incompreendida, que pagou com a vida a compulsão por álcool e fumo, Janis Joplin.
Janis, nascida no preconceituoso e arcaico estado americano do Texas, ousou em ser uma das primeiras cantoras brancas a cantar o ritmo negro do Blues, isto num tempo em que em boa parte dos estados americanos, inclusive no Texas, existia uma cruel e dura política oficial segregacionista de fazer inveja ao apartheid sul-africano, em que negro não podia nem sonhar em tocar em branco, e qualquer aproximação dos brancos aos negros era vista como rebaixamento.
Janis Joplin suplantou isto e com audácia ajudou a transformar em clássicos universais da música as pérolas do Blues negro norte-americano.
Maysa e Janis Joplin, tirando a questão do vício e o fato de ambas terem morrido jovens e de forma trágica, têm pouca coisa em comum, provem de realidades inteiramente distintas, uma cantava Blues a outra Samba, Bolero e Bossa, uma brasileira a outra americana, com certeza nunca se encontraram, muito embora tenham vivido a mesma época, os conturbados anos 60 e 70 do século passado, mas ambas tinham algo em comum, a faculdade inovadora, forte, que abriu ou ajudou a abrir as portas da coragem e da ousadia para as mulheres das gerações que lhes foram posteriores.
O que faz artistas geniais e completos que nem Maysa e Janis Joplin serem tão fáceis de serem tragados e mergulhados numa melancolia tão profunda? Talvez, para elas e para muitos outros, a exata proporção do talento está ligada a tristeza e a falta de amor próprio, ou talvez, a solidão proporcionada pela genialidade ou talento, ou ambas as coisas, só suplantada pelo escape fácil do vício. Ou talvez ainda este excesso de vida que acomete a tantas pessoas dadas às artes, lhes tire a noção de limite. Ou quiçá esta angústia só sanada pelo abuso e a compulsão seja o irremediável preço da ousadia? Enfim, nada sei, só sei que deixo mais estas indagações e caraminholas para serem debulhadas por quem se depuser a fazê-lo.
Só sei que o legado e conjunto das obras tanto de Maysa quanto de Janis Joplin, suplantam até suas próprias criadoras e serão sempre lembrados, seja de uma forma ou de outra.