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terça-feira, 21 de julho de 2009

Santana dos Usurpadores

Dos clássicos filmes de John Ford ao mais fuleiro do Spaghetti Westerns existe um tipo de personagem, sempre ligado ao lado negativo, ao que atrapalha, ao que causa incomodo e merece ser exterminado: o índio. Sempre pior que o bandido, o bandido é o inimigo preferencial de 10 entre 10 moçinhos hollywoodianos.
Aqui no Brasil, a expressão “índio”, está sempre ligada à coisa ruim ou bagunça “programa de índio” programa chato, “fulano é que nem índio” igual a fulano é desagradável, “isso aqui é taboca de índio” para dizer que uma casa está suja ou desarrumada.
Mas a verdade é que o Índio sempre foi injustamente associado a aspectos ruins ou negativos. Basta dar uma olhadela imparcial ao longo da Historia do Novo Mundo e se poderá ver que eles foram as grandes vítimas do processo civilizatório europeu que nos foi imposto de goela abaixo. Há até quem compare a chegada de Colombo ao início de um dos maiores holocaustos da de todos os tempos. Povos, nações, idiomas, culturas inteiras (e em alguns casos culturas como a asteca, maia e inca, superiores a cultura européia) destruídas deliberadamente ou não, causando uma perda inestimável a riqueza humana, cuja reparação é impossível e dá trabalho para arqueólogos e historiadores recuperar em pequenas porcentagens.
Aqui no nosso país, as doenças trazidas pelos portugueses foram responsáveis pelo extermínio de populações inteiras de tupis. Não fosse isso suficiente, além de tirar-lhes a dignidade e tomar a força e quase sem nenhuma resistência, a terra a que lhes pertencia por séculos, foi imposto pelo lusitano ao indígena uma escravidão abjeta da qual os livros de história pouco fazem menção. Povos outrora livres, altivos e felizes passaram a viver o pior dos cativeiros, trabalhando para os outros numa terra a que antes era deles, sendo chicoteado, espoliado e roubado continuamente, no que o antropólogo Darcy Ribeiro chamou de “moinhos de gastar gente”, ou fornalhas de consumir pessoas. Às índias foram impostos castigos ainda piores, além de vítimas da escravidão e do roubo, elas foram vítimas de estupros sistemáticos e cruéis. Os portugueses, após meses de viagem em fétidas caravelas, fedendo a podre, cheios de lepra, de feridas e escorbutos viam na pele lisa, limpa e saudável das indiazinhas algo que podiam devorar sem dó nem piedade arrancando-as do paraíso que viviam e jogando-as no pior dos infernos. O historiador Gilberto Freyre dizia que os marinheiros de Portugal “afundavam o pé na carne” sem pena.
Quando se fala na colonização européia das Américas em relação aos índios tenha-se em mente a seguinte visão exemplificadora bem simples. Um sujeito vem de longe, você o recebe em sua casa, só que este sujeito rouba sua casa, se apropria da sua casa, mata seu filho, estupra sua mulher e sua filha, tira sua dignidade e ainda lhe obriga a trabalhar para ele como escravo e sob chicotada no lombo. Pois foi isto que os ingleses fizeram na América do Norte, os franceses no Canadá, os espanhóis na América Latina e os portugueses aqui no Brasil.
O espetáculo do Auto de Santana deste ano passou de todos os limites ao mostrar os índios como seres a ser combatidos e um patético Tupã, como uma entidade malévola a ser vencido pelo “poder” de Sant’Ana. Para quem não sabe Tupã não tem nada de malévolo nem satânico, é sim parte de uma mitologia altamente rica e complexa e infelizmente pouco conhecida, e que os Jesuítas no Século XVI associavam a figura de Jesus para facilitar na catequese dos índios.
Isto só significa que para certas pessoas roubar, matar e estuprar não foi suficiente e deve-se acrescentar difamar a memória e tiranizar aqueles que originalmente foram e são as verdadeiras vítimas, os índios.
Ofender a imagem dos índios e desdenhar do que foi sua crença demonstra um ato cruel e de nenhuma caridade cristã e com certeza a Sant’ana desenhada como a misericordiosa avó do Messias não gostaria de ver associada sua imagem como a de padroeira dos ladrões e usurpadores.