Há certos livros que mudam o curso da vida da gente. Lembro-me
quando era garotão abestalhado e alienado li “O Povo Brasileiro” de Darcy
Ribeiro. Este livro mudou minha visão do povo brasileiro, me deu uma nova
perspectiva da brasilidade, despertando em mim um patriotismo incondicional, um
orgulho de pertencer a nacionalidade brasileira e um amor ao Brasil ainda
maior.
Diz o compêndio do grande e saudoso humanista Darcy Ribeiro
(1922-1997), que o Brasil está fadado a ser potência no mundo, ou a “Nova Roma”,
como ele próprio diz, pois nós, brasileiros, somos fruto de um doloroso
amálgama que liga o melhor de outros povos mais o moreno da tropicalidade que se imporia no mundo não pela força, mas por uma
nova maneira de ver a vida, uma jeito mais alegre, descompromissado, por que
não dizer, mais leve, humano, sem austeridade e dureza peculiar a todos os
impérios que vieram antes.
As Olimpíadas são um evento único. De quatro em quatro anos
os países mostram o seu melhor, o que não deixa de ser uma vitrine de suas
virtudes. Quem ganha mais, mostra que é superior, mais forte e capaz, demostram
que tem um povo completo, com habilidade de se por acima dos demais. O que as
delegações de atletas representam um retrato de um povo, de suas vantagens e
virtudes, com determinação de vencer e se impor perante os demais povos.
E assim, mais uma vez,
contrariando todas as previsões, todos os investimentos, todas as expectativas
o desempenho do Time Brasil foi pífio, aquém até das edições anteriores do evento.
Nossa salada de raças, nosso caldo cultural antropofágico não
foi suficientemente competente para bater os outros, dando a impressão que
nossas qualidades, tão propaladas por Darcy Ribeiro não são nada a não ser
desculpas esparramadas de atletas chorosos. Como queremos nos impor como
potência, exportar computadores, navios, carros e helicópteros, se não temos um
povo forte o suficiente para vencer uma mera competição de atletismo? Seremos
eternamente um povinho de segunda categoria, por não ter competência sequer pra
chegar numa categoria intermediária? Somos um sub-povo então?
Sinceramente, minha brasilidade e o meu amor incondicional ao
país ficaram seriamente abalado, principalmente sabendo-se que os países do
hemisfério norte, em desabalada crise e relativa franca decadência ainda tem
pessoas, atletas e desportistas mais fortes, maiores, mais competentes que os
nossos, que o nosso molejo brasileiro não passa de um coquetel fútil de moleza
e incompetência. E mais uma vez figuramos lá embaixo no quadro de medalhas. Uma
posição indigna para com o nosso tamanho e importância geopolítica.
Por que isso? Falta de dinheiro? Falta de investimento? Pra
cada R$ 1,00 que se paga nas Loterias da Caixa Econômica Federal, mais ou menos
R$ 0,10 vai pra o Comitê Olímpico Brasileiro. Eu aposto na Mega-Sena, mais de
uma vez, quase toda semana, então só de minha pessoa o COB leva cerca de R$
300,00 por ano! O que dirá do que se arrecada de todos os outros brasileiros
que gostam de fazer uma fezinha. Se não ganhasse o grande prêmio, pelo menos o
dinheiro teria uma justa destinação, pelo menos era o que eu ACHAVA. Isso tudo
sem falar na dinheirama que vem da publicidade, dos patrocinadores privados e
do “merchand”. Então o problema seria este? Outros países com até bem menos recursos
fizeram mais muito mais.
Pensei em reler “O Povo Brasileiro” em busca de alguma pista,
alguma dica que esclarecesse o porquê de sermos tão fracos, tão frouxo, tão sem
determinação; pensei em reler em busca de um resgate ao patriotismo e a
brasilidade abalados, numa busca por uma justificativa ao nosso jeito mole de
ser ainda ter uma chance de vencer nesse mundo de fortes, competentes e
competitivos chineses, americanos, russos, japoneses, australianos, jamaicanos,
africanos e europeus.
Mas ai me veio à memória a imagem de Sarah Menezes, judoca
uma das poucas ganhadoras de ouro, uma indiazinha simpática e tímida vinda do
paupérrimo Estado do Piauí que treinava numa academia pobre e suja, mas mesmo
assim foi lá e fez bonito, derrotou jogadoras mais bem treinadas, melhor
alimentadas e tudo o mais.
Sarah tem a cara do povo do Brasil, um povo sofrido que tira
força de onde não tem, não desiste nunca, enquanto nordestina, e com um pouco
mais de foco e um empurrãozinho pode chegar lá, e tudo isso sem abrir mão da
nossa brasilidade mestiça e do nosso jeito único de ser.
De fato, não preciso reler “O Povo Brasileiro”, pois de uma
forma ou de outra ainda somos a “Nova Roma”, só precisamos um pouco mais de
foco e força, e acreditar francamente em nós mesmos, e Darcy Ribeiro estava
certo!