Dos clássicos filmes de John Ford ao mais fuleiro do Spaghetti Westerns existe um tipo de personagem, sempre ligado ao lado negativo, ao que atrapalha, ao que causa incomodo e merece ser exterminado: o índio. Sempre pior que o bandido, o bandido é o inimigo preferencial de 10 entre 10 moçinhos hollywoodianos.
Aqui no Brasil, a expressão “índio”, está sempre ligada à coisa ruim ou bagunça “programa de índio” programa chato, “fulano é que nem índio” igual a fulano é desagradável, “isso aqui é taboca de índio” para dizer que uma casa está suja ou desarrumada.
Mas a verdade é que o Índio sempre foi injustamente associado a aspectos ruins ou negativos. Basta dar uma olhadela imparcial ao longo da Historia do Novo Mundo e se poderá ver que eles foram as grandes vítimas do processo civilizatório europeu que nos foi imposto de goela abaixo. Há até quem compare a chegada de Colombo ao início de um dos maiores holocaustos da de todos os tempos. Povos, nações, idiomas, culturas inteiras (e em alguns casos culturas como a asteca, maia e inca, superiores a cultura européia) destruídas deliberadamente ou não, causando uma perda inestimável a riqueza humana, cuja reparação é impossível e dá trabalho para arqueólogos e historiadores recuperar em pequenas porcentagens.
Aqui no nosso país, as doenças trazidas pelos portugueses foram responsáveis pelo extermínio de populações inteiras de tupis. Não fosse isso suficiente, além de tirar-lhes a dignidade e tomar a força e quase sem nenhuma resistência, a terra a que lhes pertencia por séculos, foi imposto pelo lusitano ao indígena uma escravidão abjeta da qual os livros de história pouco fazem menção. Povos outrora livres, altivos e felizes passaram a viver o pior dos cativeiros, trabalhando para os outros numa terra a que antes era deles, sendo chicoteado, espoliado e roubado continuamente, no que o antropólogo Darcy Ribeiro chamou de “moinhos de gastar gente”, ou fornalhas de consumir pessoas. Às índias foram impostos castigos ainda piores, além de vítimas da escravidão e do roubo, elas foram vítimas de estupros sistemáticos e cruéis. Os portugueses, após meses de viagem em fétidas caravelas, fedendo a podre, cheios de lepra, de feridas e escorbutos viam na pele lisa, limpa e saudável das indiazinhas algo que podiam devorar sem dó nem piedade arrancando-as do paraíso que viviam e jogando-as no pior dos infernos. O historiador Gilberto Freyre dizia que os marinheiros de Portugal “afundavam o pé na carne” sem pena.
Quando se fala na colonização européia das Américas em relação aos índios tenha-se em mente a seguinte visão exemplificadora bem simples. Um sujeito vem de longe, você o recebe em sua casa, só que este sujeito rouba sua casa, se apropria da sua casa, mata seu filho, estupra sua mulher e sua filha, tira sua dignidade e ainda lhe obriga a trabalhar para ele como escravo e sob chicotada no lombo. Pois foi isto que os ingleses fizeram na América do Norte, os franceses no Canadá, os espanhóis na América Latina e os portugueses aqui no Brasil.
O espetáculo do Auto de Santana deste ano passou de todos os limites ao mostrar os índios como seres a ser combatidos e um patético Tupã, como uma entidade malévola a ser vencido pelo “poder” de Sant’Ana. Para quem não sabe Tupã não tem nada de malévolo nem satânico, é sim parte de uma mitologia altamente rica e complexa e infelizmente pouco conhecida, e que os Jesuítas no Século XVI associavam a figura de Jesus para facilitar na catequese dos índios.
Isto só significa que para certas pessoas roubar, matar e estuprar não foi suficiente e deve-se acrescentar difamar a memória e tiranizar aqueles que originalmente foram e são as verdadeiras vítimas, os índios.
Ofender a imagem dos índios e desdenhar do que foi sua crença demonstra um ato cruel e de nenhuma caridade cristã e com certeza a Sant’ana desenhada como a misericordiosa avó do Messias não gostaria de ver associada sua imagem como a de padroeira dos ladrões e usurpadores.